“A mulher cria o universo, é o próprio corpo deste Universo.
A mulher é o suporte dos três mundos, é a essência do nosso corpo.
Não existe outro caminho senão a que procura a mulher.
Não existe outro caminho senão o que a mulher pode nos mostrar.
Nunca existiu ou existirá, hoje, ontem ou amanhã, outro destino que não seja a mulher.
Nem outro reino, peregrinação, oração, fórmula mágica ou outra plenitude que aquelas que a mulher proporciona.
(Shaktisangama Tantra)
Houve um tempo e uma região em que homens e mulheres tinham igual posição social, o corpo feminino e a conexão de seus ciclos com as fases da lua. Sua capacidade intuitiva e de gerar e alimentar outra vida.
Existiu um tempo e uma região em que força não era um termômetro para qualquer tipo de superioridade, sociedades não guerreavam e as atribuições não eram hierarquizadas. Todas tinham igual importância para manutenção da comunidade.
As mulheres expressavam seu potencial, sua energia e sua sexualidade de maneira plena, sem nenhuma vergonha ou pudor de seu prazer e de seus desejos. Era uma época próspera, pois como Lysebeth fala, em seu livro “Tantra: Culto a feminilidade”:
“O tântrico, para quem toda mulher encarna Shakti, terá perante ela uma atitude bem diferente do macho comum. Para ele, ela não é um objeto sexual a ser cortejada para obter favores ou uma caça. Ele não é paquerador nem Dom Juan. Mesmo sozinha com ele ela nada tem a temer; está segura, pode se comportar com toda a liberdade. É respeitada e nunca será importunada.”
E em uma sociedade onde uma mulher pode desabrochar e se tornar uma Verdadeira Mulher o homem também desabrocha. Sufocando-a ele também se asfixia.
Segundo historiadores eram assim as sociedades dos Drávidas, moradores de onde se encontra a Caxemira, ao norte da Índia, civilização do qual se denomina a origem dos Tantras.
O papel da mulher no Tantra
A figura da mulher, que por muitas vezes é menosprezada em outras tradições, no tantrismo é exaltada e de fundamental importância para que tudo possa existir. A deusa mãe que em várias culturas é considerada o poder absoluto e associada ao feminino, a mulher, para o tantrismo se trata do início de tudo.
A mulher é a representação da energia de Shakti, que é a manifestação de tudo que existe. Shiva, o princípio masculino, representa a consciência suprema, imutável, que rege todas essas manifestações.
As escrituras Tântricas, redigidas somente no séc. IV (antes a tradição era transmitida oralmente) são nada mais que diálogos entre Shiva e Parvati (uma das manifestações de Shakti) sobre os mais diversos aspectos da vida e do mundo.
A cada questionamento de Parvati, Shiva responde sua pergunta com uma técnica para que ela mesma encontre seu caminho. Ou seja, Shiva não tem as respostas, ou não impõe sua verdade perante os questionamentos, mas deixa Parvati livre para descobrir por si só sua verdade.
Enquanto outras filosofias e religiões separam o mundo espiritual do material, muitas vezes taxando o corpo como “inferior” ou “impuro”, no Tantra só chegamos ao estado de consciência/iluminação (Samadhi) experimentando e aprendendo nosso caminho através de Shakti, liberando a energia Shakti Kundalini enrolada 3 vezes e meia em nosso sacro.
O Hevajra Tantra afirma:
“Aquele que é bem versado em ioga deve honrar a mãe e a irmã da mesma forma que a dançarina, a lavadeira, a mulher proscrita e a mulher nobre (arquétipos de Shakti). Deve combinar o Cetro dos Seus Meios com a Lótus da Sabedoria da mulher. Com esse ritual obtém-se a libertação.”
Em outras palavras, o homem que, durante a relação sexual, honra e aceita todas as faces de sua parceira e a deixa livre para ser ela mesma sem medo ou julgamentos obtém a libertação.
Os arquétipos Virgem e a Prostituta.
“A mulher faz a iniciação através da mesma yoni da qual, numa vida anterior, o homem nasceu. A mulher inicia através dos mesmos seios que, numa vida anterior, o homem sugou. A mulher inicia com a mesma boca que em certa ocasião acalmou gentilmente o homem, A mulher é a iniciadora suprema do Tantra.”
(Kaularahata)
Nancy Qualls-Corbett faz uma pergunta já na introdução de seu grande livro “A prostituta Sagrada: A face eterna do Feminino”:
O que em mim tem a ver com a Prostituta Sagrada?”
Em nossa mentalidade contemporânea essas duas palavras são contraditórias. “Sagrado” sugere a dedicação ao espírito divino enquanto “prostituta” sugere a profanação do corpo. Mas conseguir sacralizar a liberdade e a expressão de prazer do corpo é o grande segredo para a cura e a libertação.
Segundo Nik Douglas no livro “Segredos Sexuais” os antigos rituais de amor não se destinavam a uma posterior promiscuidade mas sim dar sentido a sexualidade feminina. As sacerdotisas iniciavam os homens no sexo sagrado e, apesar do intercurso sexual, não deixavam de ser consideradas virgens.
Hoje em dia quando um homem se apaixona por uma mulher ideal, geralmente ele projeta todos os atributos da Mãe Divina a ela: beleza, bondade, castidade e amor revigorante. Ela, por sua vez, projeta sobre ele as características do Pai Divino: lealdade, força, virilidade, amor e desejo.
E essa não é a realidade, mas pura projeção. Frequentemente após o casamento essas fantasias caem por água abaixo. O homem se sente sufocado pelas expectativas da parceira e se culpa por sonhar encontrar uma “mulher real” que possa recebê-lo como um “homem real”. E ela, insegura na própria condição de mulher, percebendo o seu afastamento, vê-se apegada, como uma criança rejeitada pelo pai que a está abandonando.
Essa criança ferida só será curada quando ambos aceitarem seus lados e os do(a) companheiro(a), sejam eles os mais “promíscuos” e/ou os mais “frágeis. E assim se aceitarem como Verdadeiras Mulheres/Homens buscando um(a) parceiro(a) também Verdadeiro(a) e não crianças projetando o pai ou a mãe na pessoa no qual se apegou.
Parvati e Kali
Dentro das muitas personificações de Shakti temos Parvati, sua face mais casta, que representa as fases claras da lua, os princípios de preservação em abundância. Parvati é a energia sexual bruta em seu papel reprodutivo, o amor “convencional”. É a Virgem, que assume o papel passivo e aceita o homem como seu iniciador. É a página em branco em que ele pode escrever seu Carma, enquanto ela concede e divide somente a ele sua essência pura.
Do lado oposto temos Kali, que representa as fases mais escuras da lua, os princípios de dissolução e transcendência. A energia sexual em seu papel sobrenatural e transformador, o amor “não-convencional”. Ela é a “prostituta”, a iniciadora, que tem um papel ativo nos mistérios do amor; é ela quem age sem qualquer pudor ou restrição, ela é livre para dar-se totalmente. Ela se oferece ao coito sem reservas, culpa ou inseguranças. Ela é a Shakti pura, o princípio da força da iniciação.
A virgem, a musa, a prostituta e a deusa, para o Tantra todas podem ser personificadas em uma mesma Mulher. Assim como o menino, o herói, o amante e o deus em um único homem.
Hoje existe uma tendência para separar os papéis sexuais e fazer uma identificação com um, excluindo os outros. Segundo Nik Douglas “isto leva à repressão da sexualidade e à sua conversão em fantasia.”
Quando há o domínio da fantasia as pessoas tornam-se desonestas quanto a seus sentimentos sexuais e passam a criar complexos problemas psicológicos dentro do que deveria ser leve e simples. O sentimentos tornam-se atrofiados e a separação é o destino mais provável.
As qualidades da Virgem e da Prostituta, assim como do Rapaz e do Amante, devem ser incorporados e aceitos dentro da relação por seu valor estimulante e transcendental.
“Parvati é também apaixonada e sensual. E filha do Himalaia, tão branca quanto os picos nevados, a personificação da feminilidade. O rosto brilha como o Sol nascente, é dotada de um belo corpo, busto alto, quadris amplos e todas as qualidades de sublime feminilidade. Parvati é o ideal divino da esposa casta, enquanto Kali personifica a amante voluptuosa. Parvati simboliza a luz resplandecente da Lua cheia, e Kali, a noite escura. Embora a maioria dos seres humanos idealize o arquétipo de Parvati e receie o arquétipo de Kali, ambas nada mais são que facetas de um mesmo ser, que assume formas diferentes para funções diferentes.”
(Nik Douglas & Penny Slinger – Segredos Sexuais)
A verdadeira Mulher: Um resgate para a mulher tântrica contemporânea.
Abaixo segue um trecho do livro “Tantra: O culto a feminilidade de Andre Van Lysebeth. Ela expressa 100% minha opinião sobre o resgate da Verdadeira Mulher através do tantra.
“Deusa-mãe, iniciadora, origem de toda vida, fonte de prazer, caminho para a transcendência: a mulher e seu mistério são o coração do tantra, são a essência de sua mensagem milenar.
Certamente, a extensa relação acima nada tem a ver com nossas mães, irmãs, esposas, eventuais amantes; enfim, com todas as mulheres de carne e osso que encontramos pela vida: nelas, onde se oculta o mistério da Mulher?
De fato, o tantrismo se resume ao acesso aos aspectos abissais da Mulher, ocultos na mulher real comum. O culto que o tantra vota a mulher ultrapassa – de longe! – tudo que reinvindicam os movimentos de liberação feminina. Isso não é uma crítica a esse movimento, que se tornou necessário em nossa sociedade patriarcal e que, pelo menos, fez com que esta sociedade reconhecesse a igualdade da mulher – o que não é sinônimo de “idêntica”. Para o tantra, antes de mais nada, é essencial que a Mulher emerja da mulher, que esta realize que ela É verdadeiramente, que isso seja levado para a visão que tem de si mesma e do mundo.
A mensagem do tantra concerne tanto ao homem quanto à mulher. Qualquer shakti tântrica é ou procura tornar-se uma verdadeira mulher, ousando explorar as profundezas de seu ser para descobrir seus fundamentos últimos.
Ela é a deusa, ou seja, a encarnação de uma energia cósmica última, mesmo que não saiba disso. Portanto não só o homem, mas também a mulher deve mudar sua atitude perante si mesma.
A Mulher foi a primeira religião do homem, e sua primeira divindade foi a deusa-mãe. Foi ou é?
O mistério da mulher não se limita a seu sexo: ele impregna todo o seu ser, inclusive (e talvez principalmente) seu psiquismo. A mulher é intuitiva. Ela conhece os segredos da vida e da saúde, das plantas e das flores. Ela compreende as profundezas da alma humana. Ela seduz e aterroriza ao mesmo tempo.
Mas então, a verdadeira mulher é o quê, é quem? Boa pergunta! A verdadeira Shakti está cada vez mais rara. A quem devemos culpar? A mulher ou o patriarcado que a sufoca? Hoje nossas mulheres são zumbis, caricaturas agradáveis de olhar, da verdadeira mulher. Em regime matriarcal a mulher pode desabrochar…e o homem também, pois ele só pode evoluir em contato com a verdadeira mulher: sufocando-a, ele asfixia a si mesmo.
Fora da Índia, os trobriandeses, muito estudados, são um dos povos mais felizes do mundo: apesar – ou por causa? – de sua estrutura matriarcal, os homens não são esmagados nem explorados, as mulheres são livres e expansivas.”
“As mulheres desapareceram, houve uma catástrofe, uma raça de mulheres foi dispersada e aniquilada sob nossos olhos, que não puderam ver. A mulher, descendente do paleolítico e do neolítico, nossa fêmea e nossa deusa, e que nem sabemos como é, foi perseguida, atingida em seu corpo físico e em seu corpo mental, e devolvida ao nada.
Chamamos de mulheres seres que delas não tem nada senão a aparência, tomamos em nossos braços imitações de uma espécie inteiramente ou quase inteiramente destruída.
Ao desposarem uma medíocre falsificação dos homens, um pouco mais artificiosa, um pouco mais maleável, a maioria dos homens desposa a si mesmo. É a si mesmos que vêem passar pela rua, com um pouco mais de colo, um pouco mais de quadris, o todo envolvido em seda; e a si mesmos que eles perseguem, abraçam, desposam. Afinal, é menos frio que desposar um espelho.
A mulher é rara, ela transpõe as enchentes, derruba os tronos, ela detém os anos. Sua pele é o mármore. Quando há uma, ela é o impasse do mundo. Deve-se evitá-la quando a vemos porque se ela ama, se ela detesta, ela é implacável. Sua compaixão é implacável…mas ela é rara.”
“Diante de tudo isso, duas conclusões se impõem:
1. O homem deve passar por uma verdadeira mulher para passar a ser, pois ela devolve o homem ao seu trabalho, que é elevar-se o máximo possível acima de si mesmo. Ainda que escolha outros caminhos, irá passar por ela, mesmo que de forma simbólica. E a ela, basta existir para ser, plenamente.
2. O sistema patriarcal privou o homem das mulheres verdadeiras, perigosas para a sua supremacia. Em resposta, a mulher deve tornar-se consciente da Mulher que nela dorme: já é tempo que Ela saia do casulo!
O tantra pode realizar essa tarefa essencial e salvar nosso mundo moderno da perdição. Que a maioria dos adeptos do tantra no Ocidente sejam mulheres comprova sua intuição. Elas sabem que essa via evolutiva é fecunda e conduz à Verdadeira Mulher nelas escondida, para voltar a ser a Shakti eterna, que não deveriam ter deixado de ser.
O homem que quiser merecer a verdadeira Mulher deve, para começar, aceitar essa ideia, e depois reestruturar sua vida em torno dos valores da feminilidade. Nossa civilização patriarcal criou uma sociedade tecnocrática, sem alma, sem ideal, sem amor verdadeiro. Baseada em falsos valores, ela leva ao cataclismo, à guerra. Aliás, está em plena falência, em todos os planos, inclusive social e econômico.
Para se livrar disso, o homem deverá concordar em redescobrir sua feminilidade oculta, reprimida. Isso é utópico? Não, pois o antigo culto está em pleno ressurgimento…”