Nós nos prostramos diante dela
que é ao mesmo tempo a mais gentil e a mais terrível;
Nós a saudamos de novo e de novo.
Saudações a ela que é o suporte do mundo.
Saudações de novo e de novo
à Deusa que habita em todos os seres na forma de consciência;
à Deusa que habita em todos os seres na forma de inteligência;à Deusa que habita em todos os seres na forma de sono;
à Deusa que habita em todos os seres na forma de fome;
à Deusa que habita em todos os seres na forma de poder;
à Deusa que habita em todos os seres na forma de modéstia;
à Deusa que habita em todos os seres na forma de paz;
à Deusa que habita em todos os seres na forma de fé;
à Deusa que habita em todos os seres na forma de amabilidade;à Deusa que habita em todos os seres na forma de compaixão;
à Deusa que habita em todos os seres na forma de contentamento; à Deusa que habita em todos os seres na forma de mãe.
Que a Deusa, a Mãe, que aparece na forma de todas as coisas, traga benefícios para todos que cantam seus louvores.
—Chandi
Kali hoje é talvez a deusa mais conhecida e utilizada dentro de vivências e rituais, principalmente de sagrado feminino, aqui no Ocidente. Para muitas ela simboliza o puro poder do feminino. A libertação da repressão, destruição de tudo que é ruim e a reconstrução de um novo alguém. O fato de ela, na grande maioria das imagens, estar pisando em cima do corpo desfalecido de Shiva, simboliza para muitos grupos, levianamente, a vitória contra um sistema de dominação patriarcal.
Mas, dentro de suas verdadeiras origens no Tantra e do hinduísmo, o que realmente Kali representa? Qual sua história?
Quem é Kali?
Kali é uma das Deusas que representa os 10 aspectos da Mãe Divina.
É a deusa hindu que representa a dissolução do tempo-espaço em sua origem atemporal. Kali é a Deusa da transformação, quando a honramos também honramos todas as mudanças da nossa vida e do universo. Ela nos mostra os ciclos em tudo – na natureza, estações do ano, em nossos relacionamentos, nossos humores…lembrando que tudo deve sempre continuar mudando para que continue sendo vital.
Kali ensina que a dor, a tristeza, a decadência, a morte e a destruição não são superadas negando-as ou explicando-as. Essas são partes inevitáveis da vida e negá-las é inútil. Para percebermos a plenitude de nosso ser e realizarmos nosso potencial, devemos aceitar essas partes da existência. O dom de Kali é a liberdade. A liberdade que só é obtida após o confronto ou aceitação da morte.
A essência de Kali é essa fusão de contradições, um misticismo com o qual nenhuma outra divindade foi dotada, é talvez a divindade mais misteriosa das ordens indianas.
Enquanto ela faz gestos (mudrás) que representam a ausência de medo e benevolência ela tem uma aparência aterrorizante e espalha morte se alimentando do sangue dos que mata. Para ela, a preservação vem da destruição.
Na maioria de suas imagens ela está pisando sobre sobre Shiva, que encarna o solo indestrutível da consciência. Ao contrário do que a maioria de nós crê o hinduísmo (e o Tantra) vê o princípio feminino (Shakti) como o princípio ativo, a manifestação dinâmica da consciência. Enquanto o princípio masculino (Shiva) é o aspecto passivo, imutável. Portanto a energia da ação, da transformação, é a energia feminina. A Kundalini é a energia Shakti.
Shiva sem Shakti é o vazio, pois a consciência se expressa através de suas diversas manifestações. E Shakti sem Shiva seria um cadáver. Pois um corpo sem uma mente não sobrevive. A natureza não dual da existência vem desse conceito, por mais que exista um princípio masculino (shiva) e um feminino (shakti) os dois, ao final, são um só. O calor é uma manifestação do fogo, portanto ele é o próprio fogo. A união de Kali e Shiva simboliza a natureza não-dual da Realidade. A fusão dos contrários.
Kali é o aspecto de Shakti que destrói a criação para revelar a natureza eterna das coisas. Uma árvore só nasce quando a semente explode e é destruída. Quanto mais escuro é o lugar, mais brilhante vai parecer a luz que vai o iluminar. assim como a fonte mais poderosa a vida, alegria e beleza é a morte, a feiúra e o sofrimento.
Ela destrói para recriar, produz sofrimento para que a alegria se revele melhor, Ela remove os obstáculos que nos impedem de perceber nossa verdadeira natureza. Através de sua aparência assustadora deve-se ultrapassar todos seus medos, não se escondendo deles, mas aceitando-os.
Assim, Ela é vista como terrível, por destruir o que nos apegamos, e compassiva, por nos libertar da ilusão.
Ela é a maior representação de que não há transformação sem dor. Não há renascimento sem morte.